Quo vadis, Domine?



Cruz. O que essa palavra significa para você? Que sentido ela tem na sua vida?
Lembro que assim que comecei a meditar sobre o mistério da Crucificação de Cristo, sentia uma certa repulsa. Não conseguia ver algo de bom na Cruz, nas chagas de Jesus, na via crucis em si. Foi quando comecei a participar do terço da Misericórdia que acontece às sextas-feiras no Shalom da cidade de Teresina. Neste terço eu fui sendo mergulhada em tal mistério através da narração do diário de Santa Faustina, onde ela relata as visões que Jesus deu a ela de tudo o que aconteceu no fatídico dia. Assim, durante o terço, eu chorava copiosamente, como se estivesse participando daquele momento com Jesus e com Maria, que presenciou tudo de muito perto. Eu não entendia porque me sentia assim, mas depois percebi que através da meditação da via crucis eu era curada de muitas chagas e liberta de muitos males e pecados. Afinal de contas, foi na Cruz que Jesus curou todas as nossas enfermidades e nos libertou de nossos pecados, através de suas Santas Chagas (Cf. Is 53,5). Lembro que tocaram a música Belíssimo Esposo e me incomodava muito, especialmente ao ouvir o trecho que diz “beijo teus cravos, tuas mãos” pois achava uma maldade tremenda pregarem aqueles cravos nas mãos de Nosso Senhor e Rei! Como poderia cantar isso? Depois descobri que aqueles cravos cruelmente afincados nos pés e mãos de Jesus na cruz, “cravaram” também nela o documento que estava escrito contra nós, abolindo-o definitivamente (Cf. Cl 2,14). Então fui compreendendo o sentido da meditação sobre esse mistério. Mas por que estou falando sobre isso? Porque nós não gostamos de falar de cruz. É uma palavra que pesa para nós, nos remete a algo doloroso, ao fracasso, nos dá medo, repulsa. No entanto, a Cruz é a nossa maior vitória! É o caminho que nos leva ao final feliz ou, melhor dizendo, à eternidade feliz. Sabemos disso, mas tendemos a querer ser ressuscitados sem precisarmos passar por ela.
Pois bem, mas se Jesus já foi crucificado para nos justificar, então por que precisamos também carregar a nossa cruz? Pelo simples fato de que o Paraíso não é aqui e, se desejamos adentrar a porta estreita, também iremos trilhar o caminho estreito e tortuoso da nossa própria via crucis, pois seguimos Jesus. E seguir Jesus, é caminhar após ele e com ele de mãos dadas, é percorrer toda a sua trajetória, imitar seus passos, seu jeito, seus ensinamentos. Seguir Jesus não é só falar sobre ele, dizer que nos salvou, mas viver como ele, fazendo a vontade do Pai. E para segui-lo em verdade, Jesus nos dá os três passos que devem ser dados na sequência, um de cada vez.
Primeiro: renunciar a nós mesmos, negando a nós mesmos, aos nossos interesses, vontades, planos deste mundo, num esvaziamento total de nós, como o Pai fez de Jesus e Jesus do Espírito Santo para se dar a nós. Segundo: tomar a nossa cruz a cada dia, na forma de diversas situações que surgem e geram sofrimento em nós, acolhê-las e nos deixar formar por elas. Terceiro: seguir Jesus, continuar a caminhada, perseverar, fazer a vontade do Pai, acolher tudo o que vem dele. E por que devemos dar estes passos na sequência? Por que é impossível seguir após Jesus sem passar pelo caminho de cruz que ele passou, e carregar esta cruz sem ter nos esvaziado totalmente. Não há como carregar o fardo de si mesmo, de nossas vontades, planos, mundanismos, e a cruz ao mesmo tempo! É preciso estarmos despojados para abraçarmos a cruz com todo nosso ser e liberdade, sem precisar arrastá-la. E a renúncia mais perfeita de nós mesmos é quando abrimos mão de vivermos, para deixarmos que Cristo viva em nós (Cf. Gl 2,20).
Quando Paulo diz que já não é ele quem vive, mas Cristo que vive nele, penso que não foi apenas uma maneira de dizer que faz a vontade de Jesus, mas que ele havia passado por uma renúncia e esvaziamento total de si para Jesus ser nele, usando-o como seu instrumento. E se formos buscar o significado da palavra “instrumento”, veremos que é um objeto que não tem vontade própria, mas que é capaz de executar aquilo pelo que é movido. Nós somos livres instrumentos, com vontade própria, mas quando nos permitimos ser usados por Deus, deixando- o fazer de nós o que quiser, executamos aquilo para o qual fomos criados para ser. Neste mistério de inabitação de nós para sermos habitados pela Santíssima Trindade, deixamos a Graça de Deus fluir livremente e realizar seus prodígios em nós e nos outros.
Nós sentimos medo do sofrimento e da dor e por isso tendemos a optar por fugir da cruz. E quando fugimos dela, também fugimos da Ressurreição. Afinal, a cruz é nosso passaporte para a eternidade. Devemos amar este instrumento bendito em todas as suas formas: na forma de doenças, de perseguições, de calúnias, de dores, de perdas, de pessoas difíceis. E muitas vezes sermos os felizes cireneus da via crucis dos outros. Como foi feliz Simão, o cireneu que ajudou Jesus a carregar a cruz! Pense um pouco: você queria estar naquele momento no lugar dele para dar uma mãozinha para Jesus, carregando um pouco a cruz dele no caminho ao calvário? Acredito que todos nós já desejamos isso. Então, por que não visitamos os doentes? Por que passamos por uma pessoa que está virando o lixo na rua atrás de comida e não fazemos nada? Por que não visitamos os presos? Por que deixamos aquele parente depressivo abandonado, sem amor? Por que muitos idosos são duramente descartados no asilos? Por que não defendemos os caluniados? É real: não queremos lidar com a cruz dos outros. Porque é feio de ver, provoca rejeição, queremos cobrir o rosto para não olhar e não queremos ter nada com isso, assim como se sentiam ao olhar para Jesus (Cf. Is 53,3). Mas Deus muitas vezes nos dá oportunidades de ouro de sermos aquele feliz cireneu e nós recusamos friamente, deixando Jesus dar todos os passos sustentando a cruz sozinho rumo ao calvário. Pois nestes irmãos sofridos, Jesus está estampado em pessoa. E quando os ajudamos em suas necessidades e tomamos um pouco do fardo deles é a Jesus mesmo que estamos fazendo isso (Cf. Mt 25, 40). Por isso, não podemos perder nenhuma oportunidade. Bendita é essa cruz que nos salva todos os dias! Nela devemos nos alegrar, abraçar este providente instrumento de salvação. Não estamos sozinhos, não somos vítimas. A vítima foi o cordeiro imolado, Jesus. E ele está conosco, ressuscitado, até o fim dos tempos, carregando nossas cruzes conosco e, Maria, nossa mãe, nos acompanha nesta trajetória, enxugando nossas lágrimas, fitando nossos olhos e rezando por nós para que cheguemos triunfantes à glória que nos espera, ressuscitados e vitoriosos com seu filho Jesus. Por isso, não vamos descer da cruz faltando cinco minutos para a ressurreição, pois nenhum sofrimento se compara à glória que nos espera. Valerá a pena esperarmos para finalmente dizer: está consumado.

"Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo." (Gl 6,14)





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